Mestre Dicinho

Escultórico tropical abstrato animal

>>preview

 

Vamos comer Dicinho

Adilson Costa Carvalho, o nosso querido Dicinho, nascido na cidade de Jequié, em 1945, atribui a sua herança artística a seu Vavá, seu pai, que era um genial inventor de objetos do cotidiano. É nas muitas habilidades paternas que o artista irá se inspirar para construir o seu amplo espectro artístico.

Dicinho se constitui um “mestre” da arte brasileira, mesmo que à margem do sistema. Com múltiplos talentos, ele passeia pelas diversas linguagens e expressões artísticas, guiado pelos ideais do movimento tropicalista.

Ele é um dos artistas seminais para se pensar a diversidade da arte contemporânea no Brasil. Dicinho é egresso do revolucionário “Grupo de Jequié”, um efervescente movimento cultural de jovens oriundos dessa cidade à margem do Rio de Contas, que balançou, a todo vapor, a tradicional sociedade baiana, nas décadas de 1960 e 1970. Waly e Jorge Salomão, Edinízio Primo, Rogério Duarte, Tuna Espinheira, Alba Liberato, eram, dentre outros, nomes que faziam parte dessa patota.

Dentre tantas contribuições do artista, está a expansão dos limites entre escultura e pintura. Ao articular o tridimensional com a construção de padrões visuais obsessivamente psicodélicos, ele produz uma fusão visual profundamente singular na arte brasileira. Dicinho pinta esculpindo e esculpe pintando.

Não podemos pensar na obra do artista de Jequié, sem levar em consideração a inserção dos movimentos artísticos experimentais no contexto da ditadura civil-militar brasileira. Seu trabalho é proveniente de uma rasura libertária radical nos anos de chumbo. Inspirado por ideais anarquistas e práticas psicodélicas, ele colabora para construção da cosmopercepção da contracultura brasileira: o tropicalismo.

O artista sempre foi engajado nas lutas contra toda forma de autoritarismo, afirmando-se como militante da diversidade e da defesa da natureza. A opção por temas ecológicos é evidenciada na sua poética visual sobre os animais. Para Dicinho, a natureza é um corpo vivo, onde os seres humanos devem estar integrados. O equilíbrio ecológico passa pela mudança radical da relação predatória dos seres humanos frente ao mundo natural. Os animais de Dicinho guardam significados quase xamânicos. Seus padrões lembram pinturas corporais indígenas, que servem como emblemas contra o racionalismo destrutivo. Podemos pensar que os bichos estão pintados como metáfora de afirmação da vida. A escultura é um corpo em conexão com mundos complexos e sua superfície exibe aura. Não é necessário dizer que a sua obra está na contramão da racionalidade cartesiana. Dicinho faz arte ritual.

Apresentado ao mundo das artes pelas mãos de dona Lina Bo Bardi, Dicinho transitou por diversas formas de expressão criativa. Seu nome assina a respeitadíssima capa psicodélica do álbum de Gal Costa, 1969. Com Edinizío Primo, ele estabelece uma das mais profícuas parcerias do tropicalismo. Fez roupas, acessórios e contribuiu com a estética do desbunde da antológica boutique Dromedário Elegante. Ele também colaborou com as rupturas estéticas do teatro Oficina, junto com seu amigo Zé Celso.

Uma das suas invenções é a massa “copageti”, uma mistura de polpa de papel com gesso e cola que dá vida a inusitadas esculturas e relevos. Também criou uma infinidade de pinceis, carimbos e instrumentos para a realização das suas obras. É uma aventura surpreendente visitar o seu atelier, em Salvador, e adentrar o seu delirante processo de criação.

Nas artes gráficas, Dicinho contribuiu para o design de vanguarda de importantes publicações como Flor do Mal, Verbo Encantado, Jornal da Tarde além de capas de livros e discos.

A dimensão performática de Dicinho fora reconhecida pelo casal Bo Bardi. Entre as suas performances, destaca-se a obra “Aparições”, apresentada no vão livre do MASP, em 1972. Mas a sua própria indumentária cotidiana, à época, já era uma intervenção à parte, causado impacto e estranhamento na provinciana sociedade brasileira das décadas de 1960 e 1970. Dicinho abalou o tradicionalismo e a caretice, mandando o passado para o inferno.

Essa exposição na Sé tem como objetivo apresentar a produção contemporânea desse artista luminoso e curar a sua injustificada ausência no mundo da arte. Minucioso e sofisticado, ele venceu a ansiedade da margem; de não estar na centralidade do sistema. Venceu essa ansiedade com a macrobiótica, onde tudo é preparado e cozido muito lentamente. Vamos nos alimentar da sua poesia visual como uma transformação homeostática.

Vamos comer Dicinho.

Ayrson Heráclito, professor, artista e curador

*

 

Let’s eat Dicinho

Adilson Costa Carvalho, our dear Dicinho, born in the city of Jequié in 1945, attributes his artistic heritage to Vavá, his father, who was a genius inventor of everyday objects. It is in his father’s many skills that the artist seeks inspiration to build his broad artistic spectrum.

Dicinho becomes a “master” of Brazilian art, even if on the margins of the system. With multiple talents, he moves through different languages and artistic expressions, guided by the ideals of the tropicalist movement.

He is one of the seminal artists who represent the diversity of contemporary art in Brazil. Dicinho is a member of the revolutionary “Grupo de Jequié”, an effervescent cultural movement led by young people from Jequié, on the banks of Rio de Contas, that took traditional society in Bahia the 1960s and 1970s by storm. Waly and Jorge Salomão, Edinízio Primo, Rogério Duarte, Tuna Espinheira and Alba Liberato were among the group’s participants.

The expansion of the boundaries between sculpture and painting is among the artist's many contributions. By articulating the three-dimensional with the construction of obsessively psychedelic visual patterns, he produces a visual fusion that is profoundly unique in Brazilian art. Dicinho paints by sculpting and sculpts by painting.

It is not possible to think about the work of the artist from Jequié without considering experimental artistic movements within the context of the Brazilian civic-military dictatorship. His work emerges from a radical libertarian impulse in the years of lead. Inspired by anarchist ideals and psychedelic practices, he contributes to the construction of the cosmoperception of Brazilian counterculture: tropicalism.

The artist has always been engaged in struggles against all forms of authoritarianism, asserting himself as a militant of diversity and the protection of nature. The choice of ecological themes is evidenced in his visual poetics about animals. For Dicinho, nature is a living body, where human beings must be integrated. The ecological balance involves a radical change in the predatory relationship between human beings and the natural world. Dicinho's animals have meanings that are almost shamanic. His patterns resemble indigenous body painting, which serve as emblems against destructive rationalism. We might think that the animals are painted as a life-affirming metaphor. Sculpture is a body in connection with complex worlds and its surface exhibits aura. It goes without saying that his work goes against the grain of Cartesian rationality. Dicinho makes ritual art.

Introduced to the art world by Lina Bo Bardi, Dicinho transited through different forms of creative expression. He signs the highly respected psychedelic cover of Gal Costa's 1969 album. With Edinizío Primo, he establishes one of the most fruitful partnerships in tropicalism. He made clothes, accessories and contributed to the aesthetics of the anthological boutique Dromedário Elegante. He also collaborated with the aesthetic ruptures of Teatro Oficina, together with his friend Zé Celso.
One of his inventions is the “copageti” paste, a mixture of paper pulp, plaster and glue that gives life to unusual sculptures and reliefs. He also created an infinity of brushes, stamps and instruments for the crafting of his works. Visiting his atelier in Salvador and entering his delirious creative process is a surprising adventure.

In graphic arts, Dicinho contributed to the avant-garde design of important publications such as Flor do Mal, Verbo Encantado, Jornal da Tarde, as well as book and record covers.

Dicinho's performance dimension was recognized by the Bo Bardi couple. Among his performances, the work “Aparições”, exhibited at MASP’s ground-level plaza in 1972, stands out. But his own everyday clothing, at the time, already worked as an intervention, causing a sense of strangeness in the provincial Brazilian society of the 1960s and 1970s. Dicinho challenged traditionalism and squareness, firmly leaving the past behind.

This exhibition at Sé aims to present the contemporary production of this luminous artist and heal his unjustified absence from the art world. Meticulous and sophisticated, he overcame the anxiety of being on the margins; of not being at the core of the system. He overcame this anxiety with macrobiotics, where everything is prepared and cooked very slowly. Let's feed on his visual poetry as a homeostatic transformation.

Let's eat Dicinho.

Ayrson Heráclito, professor, artist and curator

Rua: Al. Lorena, 1257 , Vila Modernista - Casa 2

Jardim Paulista

São Paulo / CEP 01424-001

tel+ (11) 3107-7047